A presente análise amoldura-se com o suporte de pedido de aposentadoria por tempo de contribuição de servidor público portador de deficiência, quando o RPPS não menciona a situação.
1. A Constituição Federal, em seu Art. 40, §4º, regra
que:
“§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios
diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência
social, ressalvado o disposto
nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.”
2. Uma das ressalvas pertinentes ao presente caso, é o
§4º-A, que regra:
§ 4º-A. Poderão
ser estabelecidos por lei
complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados
para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente
submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e
interdisciplinar. (GRIFO MEU
3. Segundo o Art.
24, XII da Constituição Federal, a matéria está entre aquelas em que a
competência é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.
Assim, a União é competente para estabelecer normas gerais, restando aos
Estados a competência suplementar (§§1º e2º do Art. 24):
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
...
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
...
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da
União limitar-se-á a estabelecer normas
gerais.
§ 2º A competência da União para legislar
sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
...
4. Já a competência suplementar dos Municípios para legislar
sobre previdência de seus servidores está prevista no Art. 30, incisos I e II da CF/88:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse
local;
II - suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber;
5.
Nas matérias quanto às quais os entes detêm competência
concorrente, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados assumem a
competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades, conforme
regra o §3º do Art. 24 da CF:
§
3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
6. Quanto à aposentadoria especial do portador de
deficiência, o Parágrafo Único do Art.
5º da Lei 9.717/98 impedia
expressamente a concessão desse benefício até que houvesse Lei federal que
disciplinasse a matéria:
Art. 5º Os
regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do
Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no
Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da
Constituição Federal.
Parágrafo único. Fica
vedada a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal
discipline a matéria. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de
2001)
7. Desde 1998, ocorreram muitas discussões e controvérsias
jurídicas em âmbito administrativo e judicial sobre sua constitucionalidade (se
estaria indevidamente limitando a competência legislativa plena assegurada aos
entes). Foram proferidos entendimentos ora pela possibilidade, ora pela
impossibilidade;
8. Nesse período de indefinição, alguns Estados e
Municípios chegaram a legislar a respeito em relação a seus servidores;
9. O Ministério da Previdência chegou a manifestar-se
pela possibilidade dos entes legislarem a respeito de aposentadoria especial conforme
Parecer nº 16/2013;
10. Porém, a Jurisprudência do STF evoluiu em sentido contrário: A Corte
entendeu pela necessidade de norma nacional uniforme para disciplina da
aposentadoria especial dos servidores, cuja competência é da União (MI-AgR 1.832, DJe 18/5/2011; MI-AgR 1.898,
DJe 01/06/2012; RE-AgR 745.628, DJe 04/11/2013; MI-AgR 1.328, DJe 02/12/2013;
ARE-AgR 678.410, DJe 13/02/2014);
11. A
jurisprudência do STJ, construída nos mandados de injunção, fundamentou a
decisão do Recurso Extraordinário nº 797.905/SE, em 15/5/2014, admitido com
repercussão geral, no qual o STF definiu expressamente que é competência
exclusiva da União a edição das leis complementares de que trata o § 4º do art.
40 da CF/1988, ainda que os interessados sejam servidores estaduais, distritais
ou municipais;
12. A decisão visa garantir a aplicação do
direito constitucional de forma igualitária para todo os servidores que se
encontrarem na mesma condição de deficiência, risco ou em condições especiais;
13. Em
consequência, a Lei Complementar Municipal nº 41 de 14 de
junho de 2018 (Restruturação do Regime Próprio de Previdência Social do
Município de Juruaia) NÃO regulamentou
a aposentadoria por tempo de contribuição reduzida a segurado com deficiência;
14. Nessa omissão legislativa, seria caso de Mandado de
injunção perante o STJ, se a Autoridade Administrativa apenas declarasse a
omissão sem analisar, pelo princípio da subsidiariedade, o efetivo
preenchimento dos requisitos legais, como condições de fato e de direito
previstas no ordenamento jurídico;
15. Nesse sentido, o STF:
A jurisprudência desta Corte, após o julgamento do MI 721/DF e do MI 758/ DF, rel. min. Marco Aurélio, passou a adotar a tese de que o
mandado de injunção destina-se à concretização, caso a caso, do direito
constitucional não regulamentado, assentando, ainda, que com ele não se
objetiva apenas declarar a omissão legislativa, dada a sua natureza nitidamente
mandamental. II — A orientação
do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que compete à autoridade
administrativa responsável pela apreciação do pedido de aposentadoria examinar
as condições de fato e de direito previstas no ordenamento jurídico.
III — A concessão do mandado de injunção não gera o direito da parte
impetrante à aposentadoria especial. Remanesce o dever da autoridade competente
para a concessão da aposentadoria especial de, no caso concreto, verificar o
efetivo preenchimento dos requisitos legais para a percepção do benefício. [MI 4.579 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 1º-8-2014, DJE 213 de 30-10-2014.]
16. Sendo assim, o §12
do Art. 40 da Constituição Federal regra que:
§ 12. Além do disposto neste artigo, serão observados, em
regime próprio de previdência social, no que couber, os requisitos e critérios fixados
para o Regime Geral de Previdência Social.
17. Dessa forma, institui-se o princípio da
subsidiariedade no âmbito da Previdência do Servidor, portanto, diferentemente
do que afirmam, a aplicação das regras do RGPS não se funda na analogia, mas
sim no permissivo constitucional acima citado;
18. Dito isso, houve Legislação Federal regulamentando o
direito da pessoa com deficiência, através da Lei Complementar nº 142/2013, assegurando em seu Art. 3º a aposentadoria:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se
homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência
grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se
homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com
deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição,
se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com
deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55
(cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de
deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze)
anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
19. A mesma lei
Complementar nº 142/2013 em seu art. 2º, conceitua a pessoa com deficiência:
Art. 2o Para o reconhecimento do direito à aposentadoria
de que trata esta Lei Complementar, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.
20. O
conceito está de acordo com o art. 1º da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de
agosto de 2009;
21. Porém,
o conceito é aberto e social, pois considera a condição de determinada pessoa e
sua interação com barreiras estruturais, urbanísticas, atitudinais, de
comunicação, além de outras, e que tenha impedimento ou dificuldade de usufruir
da sociedade em todas suas possibilidades, em qualquer espaço ou ambiente, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, portanto, há dois aspectos a
serem observados para que se possa auferir a gradação da deficiência:
A)
O primeiro trata da limitação física, orgânica,
anatômica ou de cognição. A partir do diagnóstico médico, feito através de
sinais e sintomas, complementado ou não por exames, o médico perito estará apto
a determinar a deficiência e sua gravidade.
B) Outro
aspecto é o da interação das limitações físicas com as barreiras existentes,
que irão delimitar as dificuldades e impedimentos, suportados em relação a
usufruir em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.
22. Assim,
o instrumento
metodológico para aferição do grau de deficiência foi aprovado pela
Portaria Interministerial 1/2014, nela constando que a avaliação funcional será
realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na CIF -
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da
Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do IFBrA - Índice de
Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - que tem como
premissas a análise dinâmica da deficiência com os fatores ambientais;
23. Conforme
escassos doutrinadores, o modelo da Classificação Internacional de
Funcionalidade substitui o enfoque negativo da deficiência e da incapacidade
por uma perspectiva positiva, considerando as atividades que um indivíduo que
apresenta alterações de função e/ou da estrutura do corpo pode desempenhar,
assim como sua participação social;
24. A
funcionalidade e a incapacidade dos indivíduos são determinadas pelo contexto
ambiental onde as pessoas vivem. A CIF representa uma mudança de paradigma para
se pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade, constituindo um
instrumento importante para avaliação das condições de vida e para a promoção
de políticas de inclusão social;
25. A
análise desse conjunto de normas revela que a identificação da deficiência não
está apenas na deficiência apresentada pelo segurado, relativamente ao seu
corpo ou mente;
26. Necessário
conjugar como o servidor exerce sua função em face de sua deficiência. Mesmo porque a deficiência não deve ser
confundida com incapacidade laborativa!
27. Dito
isso, com a edição da Lei Complementar nº 142/2013 muitas decisões dos Mandados
de Injunção de servidores públicos têm
determinado a aplicação analógica da legislação do RGPS até que lei da União
discipline a matéria para os RPPS;
28. Esta
aplicação vem disciplinada na Instrução
Normativa SPPS 2/2014 que repete os requisitos e critérios
diferenciados para a aposentadoria especial estabelecidos na LC 142/2013;
29. Cumpre
salientar que tramita no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
- ADO 32 na qual a Procuradoria Geral da República requer a aplicação imediata
da Lei Complementar 142/2013 aos servidores enquanto durar a omissão
legislativa;
30. Tramita
também a proposta de Súmula Vinculante PSV - 118 que requer a inclusão na
Súmula Vinculante 33 também da aposentadoria especial do servidor com
deficiência;
31. Para
finalizar, a Emenda Constitucional n. 103/2019
positivou, em norma transitória, a
aplicação analógica da Lei Complementar n. 142/2013, tornando dispensável o pronunciamento judicial
integrativo e, com isso, o interesse de agir em mandado de injunção;
32. Tudo
isso para explicar que, partindo dos entendimentos supra, é necessário à
Administração pública atender à atual e correta aplicação legal, evitado,
inclusive, a judicialização de uma demanda já pacificada inclusive no STF;
33. Assim,
a análise dos Requisitos para a concessão devem ser analisadas:
34. Os
primeiros e primordiais requisitos são: O Requerente possui mínimo de dez anos
de efetivo exercício no serviço público? Possui cinco anos no cargo efetivo em
que se dará a possível aposentadoria?
35. Em
análise dos documentos juntados, o Requerente foi admitido no Serviço Público
do Município de Juruaia na data de 02/04/1990 em cargo efetivo, portanto, os
dois requisitos foram devidamente comprovados;
36. Ultrapassado
isso, urge de extrema importância o laudo, para avaliação médica e funcional,
por meio de perícia que fixará data provável do início da deficiência e o seu
grau;
37. Sem a definição
do grau, por meio de perícia médica, é impossível definir em qual situação do
Art. 3º da Lei Complementar 142/2013 o Requerente se encontra, ou, se for o
caso, a exclusão;
38. Em análise do
processo administrativo, a perícia não foi realizada. Pelo que necessária;
39. ANTE O EXPOSTO, esta Procuradoria OPINA
pelo prosseguimento do Processo Administrativo de Pedido de Aposentadoria
Especial, convocando o Requerente para a perícia médica a definir data provável
do início da deficiência bem como o grau de deficiência (incisos do Art. 3º da
LC.142/13) para posterior julgamento do pedido;
É o parecer,
com protestos de alta estima e distinta consideração.
Gustavo Pereira
Andrade
Procurador Geral
OAB/MG 140.207
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