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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Aposentadoria por Tempo de Contribuição no RPPS de servidores com deficiência - análise pelo RPPS do Município de Juruaia.

 A presente análise amoldura-se com o suporte de pedido de aposentadoria por tempo de contribuição de servidor público portador de deficiência, quando o RPPS não menciona a situação.


1.       A Constituição Federal, em seu Art. 40, §4º, regra que:

“§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.”

2.       Uma das ressalvas pertinentes ao presente caso, é o §4º-A, que regra:

§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. (GRIFO MEU

3.       Segundo o Art. 24, XII da Constituição Federal, a matéria está entre aquelas em que a competência é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Assim, a União é competente para estabelecer normas gerais, restando aos Estados a competência suplementar (§§1º e2º do Art. 24):

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

...

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

...

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.         

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

...

4.       Já a competência suplementar dos Municípios para legislar sobre previdência de seus servidores está prevista no Art. 30, incisos I e II da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; 

5.       Nas matérias quanto às quais os entes detêm competência concorrente, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados assumem a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades, conforme regra o §3º do Art. 24 da CF:

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. 

 

6.       Quanto à aposentadoria especial do portador de deficiência, o Parágrafo Único do Art. 5º da Lei 9.717/98 impedia expressamente a concessão desse benefício até que houvesse Lei federal que disciplinasse a matéria:

Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Parágrafo único.  Fica vedada a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001)

 

7.       Desde 1998, ocorreram muitas discussões e controvérsias jurídicas em âmbito administrativo e judicial sobre sua constitucionalidade (se estaria indevidamente limitando a competência legislativa plena assegurada aos entes). Foram proferidos entendimentos ora pela possibilidade, ora pela impossibilidade;

 

8.       Nesse período de indefinição, alguns Estados e Municípios chegaram a legislar a respeito em relação a seus servidores;

 

9.       O Ministério da Previdência chegou a manifestar-se pela possibilidade dos entes legislarem a respeito de aposentadoria especial conforme Parecer nº 16/2013;

 

10.   Porém, a Jurisprudência do STF evoluiu em sentido contrário: A Corte entendeu pela necessidade de norma nacional uniforme para disciplina da aposentadoria especial dos servidores, cuja competência é da União (MI-AgR 1.832, DJe 18/5/2011; MI-AgR 1.898, DJe 01/06/2012; RE-AgR 745.628, DJe 04/11/2013; MI-AgR 1.328, DJe 02/12/2013; ARE-AgR 678.410, DJe 13/02/2014);

 

11.   A jurisprudência do STJ, construída nos mandados de injunção, fundamentou a decisão do Recurso Extraordinário nº 797.905/SE, em 15/5/2014, admitido com repercussão geral, no qual o STF definiu expressamente que é competência exclusiva da União a edição das leis complementares de que trata o § 4º do art. 40 da CF/1988, ainda que os interessados sejam servidores estaduais, distritais ou municipais;

 

12.   A decisão visa garantir a aplicação do direito constitucional de forma igualitária para todo os servidores que se encontrarem na mesma condição de deficiência, risco ou em condições especiais;

 

13.   Em consequência, a Lei Complementar Municipal nº 41 de 14 de junho de 2018 (Restruturação do Regime Próprio de Previdência Social do Município de Juruaia) NÃO regulamentou a aposentadoria por tempo de contribuição reduzida a segurado com deficiência;

 

14.   Nessa omissão legislativa, seria caso de Mandado de injunção perante o STJ, se a Autoridade Administrativa apenas declarasse a omissão sem analisar, pelo princípio da subsidiariedade, o efetivo preenchimento dos requisitos legais, como condições de fato e de direito previstas no ordenamento jurídico;

 

15.   Nesse sentido, o STF:

A jurisprudência desta Corte, após o julgamento do MI 721/DF e do MI 758/ DF, rel. min. Marco Aurélio, passou a adotar a tese de que o mandado de injunção destina-se à concretização, caso a caso, do direito constitucional não regulamentado, assentando, ainda, que com ele não se objetiva apenas declarar a omissão legislativa, dada a sua natureza nitidamente mandamental. II — A orientação do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que compete à autoridade administrativa responsável pela apreciação do pedido de aposentadoria examinar as condições de fato e de direito previstas no ordenamento jurídico. III — A concessão do mandado de injunção não gera o direito da parte impetrante à aposentadoria especial. Remanesce o dever da autoridade competente para a concessão da aposentadoria especial de, no caso concreto, verificar o efetivo preenchimento dos requisitos legais para a percepção do benefício. [MI 4.579 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 1º-8-2014, DJE 213 de 30-10-2014.]

16.   Sendo assim, o §12 do Art. 40 da Constituição Federal regra que:

§ 12. Além do disposto neste artigo, serão observados, em regime próprio de previdência social, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o Regime Geral de Previdência Social.

17.   Dessa forma, institui-se o princípio da subsidiariedade no âmbito da Previdência do Servidor, portanto, diferentemente do que afirmam, a aplicação das regras do RGPS não se funda na analogia, mas sim no permissivo constitucional acima citado;

 

18.   Dito isso, houve Legislação Federal regulamentando o direito da pessoa com deficiência, através da Lei Complementar nº 142/2013, assegurando em seu Art. 3º a aposentadoria:

I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; 

II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; 

III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou 

IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período. 

 

 

 

19.  A mesma lei Complementar nº 142/2013 em seu art. 2º, conceitua a pessoa com deficiência:

Art. 2o Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas

20.  O conceito está de acordo com o art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009;

 

21.  Porém, o conceito é aberto e social, pois considera a condição de determinada pessoa e sua interação com barreiras estruturais, urbanísticas, atitudinais, de comunicação, além de outras, e que tenha impedimento ou dificuldade de usufruir da sociedade em todas suas possibilidades, em qualquer espaço ou ambiente, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, portanto, há dois aspectos a serem observados para que se possa auferir a gradação da deficiência:

A)    O primeiro trata da limitação física, orgânica, anatômica ou de cognição. A partir do diagnóstico médico, feito através de sinais e sintomas, complementado ou não por exames, o médico perito estará apto a determinar a deficiência e sua gravidade.

B)     Outro aspecto é o da interação das limitações físicas com as barreiras existentes, que irão delimitar as dificuldades e impedimentos, suportados em relação a usufruir em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.

22.  Assim, o instrumento metodológico para aferição do grau de deficiência foi aprovado pela Portaria Interministerial 1/2014, nela constando que a avaliação funcional será realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do IFBrA - Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - que tem como premissas a análise dinâmica da deficiência com os fatores ambientais;

 

23.  Conforme escassos doutrinadores, o modelo da Classificação Internacional de Funcionalidade substitui o enfoque negativo da deficiência e da incapacidade por uma perspectiva positiva, considerando as atividades que um indivíduo que apresenta alterações de função e/ou da estrutura do corpo pode desempenhar, assim como sua participação social;

 

24.  A funcionalidade e a incapacidade dos indivíduos são determinadas pelo contexto ambiental onde as pessoas vivem. A CIF representa uma mudança de paradigma para se pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade, constituindo um instrumento importante para avaliação das condições de vida e para a promoção de políticas de inclusão social;

 

25.  A análise desse conjunto de normas revela que a identificação da deficiência não está apenas na deficiência apresentada pelo segurado, relativamente ao seu corpo ou mente;

 

26.  Necessário conjugar como o servidor exerce sua função em face de sua deficiência. Mesmo porque a deficiência não deve ser confundida com incapacidade laborativa!

 

27.  Dito isso, com a edição da Lei Complementar nº 142/2013 muitas decisões dos Mandados de Injunção de servidores públicos têm determinado a aplicação analógica da legislação do RGPS até que lei da União discipline a matéria para os RPPS;

 

28.  Esta aplicação vem disciplinada na Instrução Normativa SPPS 2/2014 que repete os requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria especial estabelecidos na LC 142/2013;

 

29.  Cumpre salientar que tramita no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO 32 na qual a Procuradoria Geral da República requer a aplicação imediata da Lei Complementar 142/2013 aos servidores enquanto durar a omissão legislativa;

 

30.  Tramita também a proposta de Súmula Vinculante PSV - 118 que requer a inclusão na Súmula Vinculante 33 também da aposentadoria especial do servidor com deficiência;

 

31.   Para finalizar, a Emenda Constitucional n. 103/2019 positivou, em norma transitória, a aplicação analógica da Lei Complementar n. 142/2013, tornando dispensável o pronunciamento judicial integrativo e, com isso, o interesse de agir em mandado de injunção;

 

32.   Tudo isso para explicar que, partindo dos entendimentos supra, é necessário à Administração pública atender à atual e correta aplicação legal, evitado, inclusive, a judicialização de uma demanda já pacificada inclusive no STF;

 

33.   Assim, a análise dos Requisitos para a concessão devem ser analisadas:

 

34.   Os primeiros e primordiais requisitos são: O Requerente possui mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público? Possui cinco anos no cargo efetivo em que se dará a possível aposentadoria?

 

35. Em análise dos documentos juntados, o Requerente foi admitido no Serviço Público do Município de Juruaia na data de 02/04/1990 em cargo efetivo, portanto, os dois requisitos foram devidamente comprovados;

 

36.  Ultrapassado isso, urge de extrema importância o laudo, para avaliação médica e funcional, por meio de perícia que fixará data provável do início da deficiência e o seu grau;

 

37.  Sem a definição do grau, por meio de perícia médica, é impossível definir em qual situação do Art. 3º da Lei Complementar 142/2013 o Requerente se encontra, ou, se for o caso, a exclusão;

 

38.  Em análise do processo administrativo, a perícia não foi realizada. Pelo que necessária;

 

39.  ANTE O EXPOSTO, esta Procuradoria OPINA pelo prosseguimento do Processo Administrativo de Pedido de Aposentadoria Especial, convocando o Requerente para a perícia médica a definir data provável do início da deficiência bem como o grau de deficiência (incisos do Art. 3º da LC.142/13) para posterior julgamento do pedido;

 

É o parecer, com protestos de alta estima e distinta consideração.

  

 

 

 

Gustavo Pereira Andrade

Procurador Geral

OAB/MG 140.207

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