PARECER JURÍDICO
ASSUNTO:
Trata-se de pedido de orientação acerca da possibilidade
jurídica de possível concessão de subvenção (ou parceria através de termo
de colaboração ou fomento) com a Pastoral da Saúde São Camilo de Lellis de
Juruaia.
1. Parecer da Procuradoria Geral,
com fulcro no Inciso III do Art. 17 da Lei Complementar nº 3 de 18 de Fevereiro
de 2011;
Trata-se
de pedido de orientação acerca da possibilidade jurídica de
concessão de subvenção social à Pastoral da Saúde de Juruaia.
3. Pois
bem: a Pastoral da Saúde São Camilo de Lellis de Juruaia é uma Associação Privada, inscrita no
CNPJ/MF sob o nº 13.304.434/0001-27, declarada pela Lei Municipal nº 1.151/12
como de Utilidade Pública, conforme Art. 1º de seu estatuto, é uma Organização
de Sociedade Civil, criada em 2009, de caráter beneficente e assistencial, com
personalidade jurídica própria.
4. Regra
ainda o Art. 4º do Estatuto da Entidade, que a finalidade é assistência aos
enfermos da cidade, proporcionando-lhes cuidados de higiene, saúde,
alimentação, desenvolvimento físico e psicossocial, assistência religiosa e
hospitalar local e externa, fornecendo-lhes medicamentos necessários.
5. O
art. 32 do mesmo estatuto seleciona em seu inciso IV que os auxílios e
subvenções são uma das opções de receitas da Pastoral da Saúde, e completa no
§1º que essas rendas e recursos serão aplicados integralmente na manutenção e
desenvolvimento dos objetivos institucionais.
6. Bom,
a partir disso, primeiro, é preciso diferenciar Subvenção e o novo marco
regulatório das organizações de sociedade civil. Iniciemos pela Subvenção.
7. A
Lei Complementar nº 4.320/64, que estatui Normas Gerais de Direito Financeiro
para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados,
Municípios e DF, funciona como norma geral imediatamente inferior à
Constituição que instituiu uma das formas de repasse de recursos realizados
pelo Estado ao terceiro setor: a subvenção social.
8. O
Art. 12, §3º da Lei 4.320/64 traz a definição de subvenção social:
§ 3º Consideram-se subvenções,
para os efeitos desta lei, as
transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades
beneficiadas, distinguindo-se como:
I - subvenções sociais, as que se
destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural, sem finalidade lucrativa;
II - subvenções econômicas, as que se
destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial,
agrícola ou pastoril. (GRIFO NOSSO)
9. Mais
adiante, nos artigos 16 e 17, repisa serem as subvenções de cunho social as
destinadas à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica ou
educacional
10. Segundo
explica Afonso Gomes Aguiar em sua obra “Direito
Financeiro: a Lei n.4.320 – comentada ao alcance de todos”:
“Subvenções são
repasses de recursos realizados a título de colaboração financeira que ocorrem
entre as entidades públicas ou privadas, com o objetivo de ajudar no pagamento
de suas despesas clarificáveis entre as despesas de custeio”. (2004, p.195)
11. Despesas
de custeio, por sua vez, equivalem às dotações orçamentárias que se destinam a
arcar com gastos de manutenção de serviços públicos já existentes ou criados,
ou com manutenção de serviços prestados por entidades privadas sem finalidade
lucrativa.
12. Além
dos requisitos mencionados nos dispositivos legais constantes na Lei n.
4.320/64, A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) em
seu Art. 26 estabeleceu outras condições para a concessão de subvenções
sociais, quais sejam, autorização em lei específica, atendimento das condições
previstas na lei de diretrizes orçamentárias e existência de dotação
orçamentária. Veja:
Art. 26. A destinação de recursos
para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou
déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender
às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista
no orçamento ou em seus créditos adicionais.
...
§ 2o Compreende-se incluída a
concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as
respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e
a participação em constituição ou aumento de capital.
13. Face
essa tríplice exigência elencada no Art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal,
os autores Flávio Toledo Jr. E Sérgio Ciquera Rossi na obra “Lei de
Responsabilidade Fiscal comentada artigo por artigo”, abordam as subvenções da
seguinte forma transcrita:
“No caso de auxílio ou subvenção, a
ajuda estatal atentará, sempre, para essa tríplice exigência: 1) sujeitar-se às
condições pactuadas na lei de diretrizes orçamentárias, que, a título de
exemplo, podem assentar-se na certificação da entidade junto ao respectivo
Conselho Municipal, na prestação de contas a cada seis meses e no atendimento
de famílias com renda inferior a dois salários mínimos (Art. 4º, I, f); 2)
estar autorizada em lei específica, de iniciativa do Poder Executivo, na qual
compareça o nome da instituição e o valor do repasse; 3) dispor de genérica
autorização orçamentária, quer na lei de meios, quer nas que aprovam créditos
adicionais.
Nesse contexto, o parlamentar
envolver-se-á no processo que define critérios para auxiliar pessoas físicas e
jurídicas e, depois, avalizará qual o asilo, o orfanato, o albergue a
beneficiar-se do dinheiro público. Assim, não mais se justificam autorizações
restritas a genéricas dotações orçamentárias.
14. O
Autor José Ribamar Caldas Furtado também conclui sobre as subvenções que:
“Subvenções sociais são as
transferências correntes destinadas a cobrir despesas de custeio de
instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem
finalidade lucrativa, quando a transferência deriva de previsão constante na
lei orçamentária (LOA)” (destacamos). (FURTADO, J. R.
Caldas. Direito financeiro. 3. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 217.)
15. Vale
trazer ainda a nota de rodapé que o autor faz para detalhar as transferências:
"O que caracteriza qualquer
transferência é a ausência de contraprestação direta em bens e serviços, ou
seja, se houver recebimento de bens ou aproveitamento de serviços por parte do
ente público em contrapartida ao valor entregue não há que se falar em
transferência”
16. Assim,
se para serem caracterizadas essas transferências, exigem que não haja "contraprestação
direta em bens ou serviços", então qual seria o conteúdo dessas
contraprestações? Em sentido abrangente, o legislador vedou que as subvenções
fossem utilizadas para aquisições hodiernas da Administração, de bens ou
serviços, burlando as regras estabelecidas para tanto. Por outro lado, se
pretende que as subvenções sirvam para o patrocínio de atividades que tenham
relevância social, sendo que os interesses dos partícipes não são contrapostos,
como na relação contratual, mas sim recíprocos.
17. Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, bem distinguiu sobre as relações entre Estado e
terceiro setor, que não se trata de "delegação de serviços públicos",
mas sim de "fomento", em que o "Estado deixa a atividade na
iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la,
por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade" (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração
pública. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 232.).
18. Com
todas essas considerações acerca das subvenções, podemos afirmar que entre o
Município e as entidades receptoras das subvenções não poderiam ser realizados
nenhum tipo de ajuste que implique contraprestações, como a de aumentar o atendimento à população, por exemplo, com a
prévia imposição de um plano de trabalho. Os recursos repassados devem ser
destinados ao custeio da entidade, facultando-se ao Poder Público impor onde os
recursos serão alocados, para assegurar que eles serão efetivamente utilizados
nesse custeio.
19. PORÉM, adveio a Lei 13.019/2014.
20. Conhecida
como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, entrou em
vigor em 23 de janeiro de 2016,
alcançando a União, Estados e Distrito Federal, e Municípios em 1º de janeiro
de 2017, passando a ser estabelecido um
novo regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as
organizações, por meio de novos instrumentos jurídicos: os termos de Fomento e de
Colaboração, no caso de parcerias com recursos financeiros, e o Acordo de Cooperação, no caso de
parcerias sem recursos financeiros.
21. A
própria Lei traz o conceito dessa parceria, em seu Art. 2º, III in verbis:
Art. 2º
(...)
III - parceria: conjunto de direitos,
responsabilidades e obrigações decorrentes de relação jurídica estabelecida
formalmente entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse
público e recíproco, mediante a execução de atividade ou de projeto expressos
em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
22. A
Lei é fruto de um processo de reconhecimento e valorização da sociedade civil organizada,
e consolida a relevância dos atores sem fins lucrativos que atuam com objetivos
voltados à promoção de atividades de relevância pública e social.
23. A
norma geral buscou fortalecer a relação entre a administração e as organizações
da sociedade civil, revendo mais segurança jurídica ao trabalho realizado pelas
organizações e mais transparência na destinação dos recursos públicos.
24. A
referida Lei traz, em seu art. 2º, inciso I, a listagem de entidades que se
podem qualificar como organização da sociedade civil. Destaca-se que nem toda
parceria é regida pela Lei nº 13.019/2014, estando excluídos no âmbito de
incidência os casos descritos no Art. 3º, que foram anteriormente normatizados
em legislações específicas, já que essas trouxeram requisitos especiais para
tais parcerias.
25. Assim,
no que se refere ao vínculo jurídico de cada uma das organizações do terceiro
setor com a administração pública, há de se recordar que, com as organizações
socais são celebrados os contratos de gestão (Lei 9.637/98); com as
organizações da sociedade civil de interesse público, celebram-se termos de
parceria (Lei 9.790/99) e agora, poderão ser firmados com as organizações da
sociedade civil três tipos de ajuste: o termo de colaboração, o termo de
fomento e o acordo de cooperação (Lei 13.019/14).
26. Eis
que então ponderamos algumas questões:
27. Conforme
entendimento do TCE/MG, publicado na revista de Julho a Dezembro de 2020, em
brilhante texto do Conselheiro Wanderley Ávila, do qual tiramos a maioria das
conclusões deste parecer, há, de certa forma, algumas confusões oriundas de uma
aparente contradição frontal entre a redação da Lei nº 13.019/14 e da Lei
4.320/64, que tratam de concessão de
recursos públicos de forma díspar (diferente).
28. Há
requisitos que diferencia as duas leis. Enquanto que na subvenção exige que se
edite uma lei específica para a concessão de subsídios sociais ao terceiro
setor, a MROSC deixa tal requisito, por exemplo, de lado quando o assunto é
firmar parceria pública social com entidades integrantes do terceiro setor.
29. Há
diferenciação entre “Subvenções Sociais” e “Termos de fomento e termos de
colaboração”.
30. Enquanto
as subvenções tem um caráter
supletivo, imerso em uma lógica assistencialista de socorro, amparo ou auxílio,
não só ao terceiro setor, mas a diversas entidades, as parcerias públicas sociais (por meio dos termos de
colaboração e de fomento) trazem uma razão de coadjuvação, cooperação mútua ou
coparticipação.
31. Nas
palavras do Ministro Conselheiro Wanderley Ávila, isso quer dizer que se verifica
que as subvenções, diferente das parcerias, não buscam a consecução de
interesse públicos, em geral, mas tratam de um dever genérico do Estado de
socorrer e auxiliar as pessoas físicas ou jurídicas.
32. De
maneira diferente das subvenções sociais, as parcerias firmadas com as
organizações da sociedade civil por meio de termo de colaboração e termo de
fomento dependem da elaboração de um plano de trabalho que será pactuado em
regime de mútua cooperação, como se verifica no Art. 1º da Lei 13.019/14.
33. Quando
da publicação da Lei 13.019/14, havia o inciso II no Art. 3º, que tratava da
não aplicação da Lei às transferências voluntárias.
34. O
legislador utilizou a expressão “transferências voluntárias” para qualquer tipo
de repasse de recursos públicos, como, por exemplo, auxílios, subvenções e
contribuições previstos em lei municipal. Posto que as subvenções estavam sim,
fora do contexto das exigências da MROSC.
35. Foi
inclusive objeto de consulta no TCE/MG sob o nº 951417, onde trecho da consulta
o Conselheiro Wanderlei Avia concluiu que:
“...Devo destacar que, à luz do art.
3º, II, da Lei 13.019/2014, entendo
que estão fora do âmbito de aplicação as subvenções sociais fixadas em lei,
com indicação dos subvencionados, pois ao ente político não está afastada a
hipótese de, havendo lei e fonte de custeio e observado o interesse local,
subvencionar socialmente entidades assistenciais sem fins lucrativos, sem o
extenso rol de exigências da Lei 13.019/2014. Este, um campo delicado e
desafiador, no âmbito da não incidência dos inúmeros requisitos da Lei
13.019/2014, que exigirá atenção redobrada dos órgãos de controle, para
identificar o que deve ser distinguido.
36. Porém, o inciso II do Art. 3º foi revogado pela Lei 13.204/15,
fazendo com que as exigências da Lei 13.019/14 alcançasse também as subvenções.
37. A
ideia é que os recebedores das subvenções não podem continuar se esquivando do
planejamento, da finalidade pactuada, das metas físicas, da transparência, do
controle mais apurado, ou seja, deu-se mais legalidade e possibilidade de
transparência ao dinheiro público.
38. Em
suma, estão as subvenções sujeitas às condições do marco regulatório.
39. O
Tribunal de Contas de São Paulo tratou a respeito:
Comunicado SDG 10/2017
O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO
PAULO COMUNICA que a Lei Federal nº 13.019/2014 atualizada, vigente para os
municípios desde 1º de janeiro de 2017, prevê que a concessão de subvenções sociais, auxílios e contribuições serão
formalizados por meio de Termo de Colaboração ou de Fomento, com
inexigibilidade do chamamento público devidamente justificado, nos termos dos
artigos 31, II cc 32 “caput” e § 4º da Lei.
Nas parcerias assim constituídas, o
poder público concessor deverá cumprir as demais exigências previstas na Lei,
com destaque para elaboração do plano de trabalho (artigo 22); monitoramento e
avaliação (artigos 58 a 60); acompanhamento da execução (artigos 61 e 62) e
prestações de contas (artigos 63 a 68).
SDG, 17 de março de 2017.
SÉRGIO CIQUERA ROSSI -
SECRETÁRIO-DIRETOR GERAL
40. Com
o novo marco regulatório, mesmo que a Lei 4.320/64 tenha restringido a
destinação das subvenções sociais apenas para as despesas de custeio da
entidade beneficiária, ou seja, ter por objeto exclusivamente a manutenção de
serviços anteriormente criados ou a realização de obras de conservação e
adaptação de bens imóveis, devem utilizar a Lei
Federal 13.019 de 2014 como regra para a celebração através de
termo de Colaboração e Fomento, assim como menciona o artigo primeiro da
referida lei.
41. Assim,
as subvenções agora inclusas no marco regulatório das organizações da sociedade
civil podem ser realizadas, mas sob espeque das regras da Lei 13.019/14.
42. Em
conclusão, necessário foi explicar a extinção da subvenção da forma anteriormente
mantida, e explicar que a Lei 13.019/14 abrangeu de forma mais fortalecida a
relação entre a administração e as organizações da sociedade civil, com mais
segurança jurídica ao trabalho realizado pelas organizações e mais
transparência na destinação dos recursos públicos, determinando critérios
inclusive para as “subvenções” que agora devem ser realizadas sob as regras e
exigências da MROSC, sob forma de colaboração.
43. Assim,
tendo a Pastoral da Saúde São Camilo de Lellis de Juruaia, já declarada como
Utilidade Pública por Lei Municipal, sendo uma Organização da sociedade civil,
estruturada através de uma associação privada sem fins lucrativos, de caráter
beneficente e assistencial cuja finalidade, segundo seu próprio estatuto, é
assistência aos enfermos da cidade, proporcionando-lhes cuidados de higiene,
saúde, alimentação, desenvolvimento físico e psicossocial, assistência
religiosa e hospitalar local e externa, fornecendo-lhes medicamentos
necessários, sem distinção de idade, classe, raça, cor, credo religioso ou
político (Art. 5º Estatuto), o PARECER é que há sim possibilidade de parceria
pública através de termo de colaboração ou fomento, desde que a Administração
Pública assim entenda necessário.
Procurador
Geral
OAB/MG 140.207